Como todo o resto da presente civilização, o conceito de rivalidade esportiva também se deteriorou. E é natural que o estado de putrefação mais adiantado se apresente em locais onde não houve um devido processo civilizatório como é o caso do Brasil. As pobres discussões em torno das implicações do resultado do jogo contra o Fluminense são mais uma demonstração disto.
Futebol pode ser visto de três formas distintas, com eventuais combinações entre elas: (a) como esporte profissional onde atletas e diferentes funções técnicas irão buscar seu modo de subsistência; (b) como atividade esportiva seja recreativa ou visando o aprimoramento / manutenção da forma física; e (c) como atividade de entretenimento, onde torcedores buscam emoção e diversão ao longo da disputa de um jogo e de um título.
Nas duas primeiras formas acima a rivalidade nasce dentro da disputa como motivação para a própria superação. Um quer superar o outro como forma de atingir o seu melhor estágio naquilo que está sendo feito. Os torcedores embarcam neste sentimento e vibram com a superação da equipe da sua preferência. Dentro desta normalidade, não cabe esperar que sua equipe seja derrotada para não permitir que um outro rival conquiste algo. Seria a anti-superação, seria o atraso, a decadência. Como disse antes, sou favorável a que o Palmeiras tivesse dado férias à maior parte do elenco principal e entrasse hoje em campo com um time reserva. Isso seria o melhor para o time visando sua preparação diante do atual calendário futebolístico. Mas que a equipe que entrasse em campo desse o melhor de si para vencer a partida.
Posto isso, é deplorável ver torcedores e dirigentes querendo que o Palmeiras perca do Fluminense para eventualmente não favorecer o Corinthians. Como podemos chegar a este ponto? Como nos afastamos dos ideais esportivos? O roteiro para isso foi longo. Depois do afastamento espiritual, o homem começa a perder sua própria personalidade. E neste vazio existencial ele vai perder-se num mundo metafórico, assumindo a identidade das organizações as quais ele pertence. O "eu profundo" de cada um é encoberto por entidades como a família, um partido, uma ideologia e assim por diante. É claro que isso é errado, o homem precisa buscar sua própria individualidade. Sem o domínio do seu "eu profundo" ele nunca poderá transcender e aliviar sua miséria humana.
Uma destas formas de corrupção ontológica é a identificação de sua própria personalidade com a de um clube de futebol. Expressões como "sou antes de tudo palmeirense" ou "Palmeiras, minha vida é você" (isso serve para qualquer torcedor ou clube) revelam um profundo estágio de perda de identidade real, uma forma clara de demência. A pessoa fica tão identificada com o clube que atrela seus desejos e vaidades ao mesmo. Num estado mais avançado de podridão interior, chega a sentir-se melhor do que os outros só por que o time pelo qual ele torce venceu o do outro. Inversamente, mortifica-se ao ver seu time derrotado. É deste já quase animalesco sentimento de inferioridade que os tais torcedores e dirigentes torcem contra o Palmeiras hoje.